A natureza não tem preço
Por que, além do valor econômico, a diversidade natural do planeta tem importância ética, estética e até espiritual para nossa civilização
Haroldo Castro (texto e fotos)

DÁDIVA
O Lago Umm El Maa, no Deserto Ubari, na Líbia. Além da água, o oásis oferece paz e serenidade ao viajante
O Lago Umm El Maa, no Deserto Ubari, na Líbia. Além da água, o oásis oferece paz e serenidade ao viajante
Um dos principais valores não monetários da natureza é a sensação de prazer e conforto provocada por sua harmonia estética. “Quando estou dentro de uma floresta, vejo a beleza de tudo e me conecto com o ciclo interminável da vida. Posso entender melhor por que as espécies evoluem e se adaptam”, diz Elda Brizuela, conservacionista e cineasta da Costa Rica. “Destruir esse espaço é como arrasar algo que é parte de minha alma.” A relação entre natureza e alma parece ser óbvia para quem busca inspiração do mundo natural em seu trabalho. “A natureza me traz paz interior e me ajuda a estar mais próximo de mim mesmo”, diz o artista plástico e webdesigner João Makray. “É a melhor forma para esquecer os problemas banais do cotidiano e alimentar minha criatividade.” Makray passou semanas visitando dezenas de cachoeiras, rios e matas para desenhar as gravuras do livro Orixás, no qual as divindades da tradição afro-brasileira são mostradas como forças naturais, e não apenas antropomórficas.
Algumas pessoas desenvolvem suas próprias histórias de amor com o mundo natural. O valor estético e sensorial da natureza é sempre a base para essa relação platônica e contemplativa que cada indivíduo forja. “Na floresta, percebo os aromas e me sinto como um beija-flor”, afirma Luis Fernando Molina, poeta e ambientalista colombiano. “No cume da montanha, vislumbro a paisagem e tenho vontade de voar. No deserto, por ser infinito, me comunico com o divino. Mas, quando estou na cidade, sou apenas um número a mais”, afirma. A empresária Scholastica Ponera, dona da empresa Pongo Safaris, de Dar Es Salaam, na Tanzânia, diz que entrar em um parque nacional lhe dá tranquilidade e harmonia. “Gosto de me sentar no chão, sozinha, procurar uma semente do tamanho de um botão de camisa e meditar como ela se transformará em uma majestosa árvore.”
Nem todas as pessoas são receptivas como Ponera e Molina. Uma boa parte dos urbanos tem mais medo da natureza que admiração por ela. A bióloga Rita Mendonça, diretora do Instituto Romã, tem uma solução. “Organizamos vivências e caminhadas para desenvolver a sensibilidade dos interessados em contatar os aspectos intangíveis da natureza”, diz. “As pessoas saem transformadas ao interagir, de forma intuitiva e sensível, com a natureza.”
>>Leia também: Os intangíveis da natureza: seus valores estéticos e espirituais
Além de musa inspiradora e alívio para os sentidos humanos, a natureza também serve como ponte entre o mundo concreto e o divino. Considerar a natureza como “algo maior” é uma constante para aqueles que têm uma visão que vai além da esfera material e utilitária. “Nada como estar entre sequoias-gigantes, com mais de 100 metros de altura e séculos de idade, para romper com os limites físicos e considerar que existe uma ‘força de vida’ bem maior que eu”, diz o americano Keith Wheeler, um dos diretores da União Internacional para a Conservação da Natureza. “A natureza não apenas me oferece um espaço de reflexão sobre ética e espiritualidade, ela também traz inspiração para que eu possa melhor conduzir minha vida.”


RELAÇÃO HARMÔNICA
Primeira foto, girafas no Parque Nacional Tsavo Oeste, no Quênia, ajoelham-se para beber água. Segunda foto, araras-vermelhas saem do Buraco das Araras em Jardim, em Mato Grosso do Sul. Tanto artistas quanto cientistas buscam inspiração na interação das espécies com o ambiente natural
Primeira foto, girafas no Parque Nacional Tsavo Oeste, no Quênia, ajoelham-se para beber água. Segunda foto, araras-vermelhas saem do Buraco das Araras em Jardim, em Mato Grosso do Sul. Tanto artistas quanto cientistas buscam inspiração na interação das espécies com o ambiente natural
O jainismo – religião originada na Índia há 25 séculos – considera o ainsa, a não violência, como seu princípio essencial. “Praticamos a não violência com a totalidade das espécies vivas, não apenas com humanos. Temos um profundo respeito por toda a natureza: não matamos animais e só comemos as partes das plantas que não as sacrifiquem”, diz Hitesh Mehta, arquiteto e paisagista queniano. “Nossa filosofia demanda um estilo de vida de baixo impacto. Há séculos vivemos o que hoje é chamado de sustentabilidade ambiental. Não existe maior virtude espiritual que a da não violência absoluta.” Mehta afirma que grandes pensadores, como Mahatma Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela, foram profundamente influenciados pelo jainismo.
As tradições afro-brasileiras, como a umbanda e o candomblé, consideram as manifestações da natureza como “energias sagradas”. São os orixás. A biodiversidade das matas é a representação física de Oxóssi, as ervas medicinais simbolizam Oçânhim e os mananciais de águas expressam Nanã. “A natureza é um livro sagrado, e precisamos aprender a decifrar o que ela pode nos revelar”, diz o babalorixá Carlos Buby, do Templo Guaracy do Brasil. “A compreensão biológica das diferentes formas de vida do planeta não é suficiente para assegurar sua proteção. É necessário acrescentar os valores imateriais para que a natureza seja reconhecida como sagrada e, assim, devidamente protegida.”
O Dalai-Lama, chefe espiritual do budismo tibetano, desmistifica a conservação ambiental e a coloca como um dever prático. “Cuidar de nosso planeta não é um ato santo ou sagrado. Não podemos viver em nenhum outro, apenas neste”, afirma o monge tibetano. “É como cuidar de nossa casa.” Em nossa cultura mercantilista, os economistas da conservação já registram os bilhões de reais que os serviços ambientais prestam aos humanos. Mas os valores estéticos e espirituais estão na esfera do intangível. Não podemos colocar uma etiqueta de preço no sagrado.



HERANÇA NATURAL
Primeira foto, bosque de baobás na costa oeste de Madagascar, país que abriga o maior número de espécies dessa árvore, considerada sagrada por diferentes tribos africanas. Segunda foto, uma ilha inabitada no litoral de Samoa, no Oceano Pacífico. Terceira foto, duplo arco-íris nos Saltos Mbigua e Bernabé Mendez, no lado argentino das Cataratas do Iguaçu. Preservar paisagens naturais como essas é parte da missão humana, segundo líderes espirituais, como o Dalai-Lama
Primeira foto, bosque de baobás na costa oeste de Madagascar, país que abriga o maior número de espécies dessa árvore, considerada sagrada por diferentes tribos africanas. Segunda foto, uma ilha inabitada no litoral de Samoa, no Oceano Pacífico. Terceira foto, duplo arco-íris nos Saltos Mbigua e Bernabé Mendez, no lado argentino das Cataratas do Iguaçu. Preservar paisagens naturais como essas é parte da missão humana, segundo líderes espirituais, como o Dalai-Lama
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